O mesmo barulho, a mesma garota, o mesmo banco, o mesmo sol no banco, pausa, olhar fixo na massa humana fervendo inquieta de um lado para o outro, mas o olhar era tão vazio...
Um baque surdo ao lado como se alguém tivesse pousado pesadamente no banco, sem desvios, o mesmo olhar fixos na massa... Até que:
- Ariana? - Um tom doce e assustadoramente cuidadoso, desprendeu os olhos da garota do nada.
A menina atrás dos óculos, sorri forçada, porém gentil: - Sim?
- Quanto tempo ein?! - O menino de rosto engraçado e tipicamente comum, cora.
- Pois é. - Ela sorri, um pouco confusa, tinha falado duas ou três vezes com o indevíduo que agora lhe parecia um velho amigo.
- Tenho notado-a menos feliz, notei que tem lido mais, silenciado mais, sempre no mesmo banco e vez ou outra deixa coisas cair no chão, como se estivesse desligada, fita o nada e por vezes chora... Vo-você está bem? - Corou novamente o menino.
- Sim, estou.
-Desculpe-me a intromissão... - Disse o garoto, pesaroso.
- Ah, não! Não se preocupe! - Sorriu, reconfortantemente.
(silêncio)
-Posso ser mais incisivo? - Quase afirmou o garoto, corando rapidamente.
- Diga. - Secamente respondeu, costumava mudar de humor rápido demais.
- Eu soube que ele... Bem, ele foi embora ...
- É. - Seca novamente.
- Você está bem?
- Já disse que estou.
- Pode falar comigo... - Sorriu o garoto aturdido.
- O que quer saber? - Ela já não era mais amigável.
- Eu sei que você sente falta...
- E eu sinto. - Disse ela, como se fosse algo óbvio.
- Ah, sente! - Disse o garoto corrigindo-se.
- Percebi você sozinha por muito tempo...
- E estou. - Novamente, parecia óbvio.
- Por que respostas tão curtas? - Indagou quase num choramingo.
- Por que perguntas tão óbvias? - Riu-se a garota.
- Irônica, incisiva e encantadora, como ele descrevia. - Acrescentou pensativamente o menino.
- Dizia é?
- Sim. - Sorriu acolhedor.
E do nada algo brilhante beirou a pálpebra inferior, de um olho esquerdo cansado, pesado e agora marejado. E caiu pesadamente nas maçãs fartas do rosto correndo-lhe pela camisa.
- Não chore. - Quase culpou-se o menino.
- Não se preocupe, eu estou bem.
- Você gostava dele, não?
- Não. - Seca, novamente.
- E por que a falta?
- Defina gostar. - Acrescentou rispidamente.
- Se apaixonar, coisas do gênero...
- Simplório demais. - ríspida.
- Como assim? - Retorquiu o garoto, com uma dúvida latente.
- Não era apaixonada por ele.
- E porque a falta?
- Já cogitou amor? - Riu-se explicitamente irônica.
- Ele costumava dizer que é infrutífero com você...
- E é.
- Você esta me confundindo...
- Eu sei. - Riu-se a garota prazerosamente, embora a melancolia fosse explícita.
(silêncio)
O garoto encarou os próprios pés, desejando desaparecer, afinal, para quê àquilo?
- Você sente falta? - Acrescentou pensativamente a garota, fitando o vazio.
- Sinto. - Disse pesadamente o garoto.
- Era apaixonado por ele?
- Não.
- O amava?
- Não.
- Tem certeza?
- Sim.
- Então, porque eu deveria? - Disse ela, agora fitando-o.
- Irônica...
- Já sei... Como ele costumava...
(Um soluço, outra lágrima)
- Não chore... - Tentou novamente o menino.
- Não se preocupe, eu estou bem, só não gosto de mencionar... Prefiro manter a parte dele quieta bem aqui - a mão que deveria estar no peito, como fazem as mocinhas de textos melancólicos, em geral, pousava na lateral da fronte onde pulsa uma veia.
- Aí? - Riu-se um pouco assustado o garoto.
- Aqui. Onde ele quis que eu o guardasse.
- Ele pediu isso?- Confudiu-se o menino.
- Inconscientemente...
(silêncio)
- Havia alguma coisa no último sorriso que me deu, no último aceno de cabeça que sempre via depois do sorriso, no último trago mais demorado que presenciei , no último cumprimento rápido e no último olhar que em silêncio eu comtemplei mutuamente, não nos falamos, e nem precisamos... Foi uma despedida, silenciosa e íntima, nossa.
- Lindo. - Olho-a boquiaberto o garoto.
- Não, não é. Lindo seria, se ele ainda estivesse aqui.
- Inteligente, como ele...
- Já sei. - Quase gritou agora.
- Mas ele está aqui. - Afirmou calmamente a menina, com um riso pesado e ao mesmo tempo doce.
- Está? - Mais uma ves abobado.
-Sim. (pausa) Esta em todos, porque era todos... E eu nunca fui especial, era parte do todo, sabia disso, mas existem pessoas, que te fazem sentir especial quanto estão com você... e era assim. E quando houver eu, você, essa árvore - o olhar dela pousou na paisagem preferida dele - e esse cheiro, e aqueles garotos com uma sede insaciável de mudar o mundo, haverá ele aqui, inquieta e pulsantemente.
- Você o amava, céus! - Acrescentou afirmante e surpreso o garoto.
- Fraternalmente, sempre.
A garota levantou-se fechou seu livro, o pôs na bolsa, beijou a face do desconhecido que ainda não lembrara o nome, acariciou seus cabelos ralos, como fazia com os cabelos rebeldes do outro, com o polegar acariciou sua bochecha, como costumava fazer no outro, sorriu fervorosa e largamente, como se pudesse contemplar 'aquele' sorriso perdido. A terceira substância pesou-lhe a beira dos olhos e sem cerimônia escorreu.
E ela acrescentou : -Sinta falta o tempo que tiver de sentir e ele estará aqui - Pousou sua mão fina na testa do garoto, olhou as horas, sorriu pesadamente, e partiu, flutuante, como costumava fazer.
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